O jovem dinamarquês dedicou a maior vitória de sua carreira ao avô falecido após superar os dois maiores nomes do ciclismo mundial em um final eletrizante

A imagem de Mattias Skjelmose em lágrimas, cercado pelos companheiros da Lidl-Trek após cruzar a linha de chegada da Amstel Gold Race 2025, ficará gravada na memória dos amantes do ciclismo por muito tempo.
Não eram apenas lágrimas de alegria pela conquista mais importante de sua carreira, mas também de emoção pela dedicatória especial que fazia naquele momento:
"Perdi meu avô há pouco mais de um mês, e eu realmente queria dar a ele uma vitória, então isso é para ele."
Em uma das corridas mais emocionantes da temporada, o dinamarquês de 24 anos protagonizou uma verdadeira história de David contra Golias ao derrotar, no sprint final, nada menos que Tadej Pogačar, atual campeão mundial, e Remco Evenepoel, campeão olímpico.
Uma façanha que nem mesmo o próprio Skjelmose acreditava ser possível, como confessou após a prova: "Eu estava correndo pelo pódio. Já isso seria um resultado muito bom para mim."
Como um azarão conseguiu superar dois dos maiores talentos do ciclismo atual em uma das clássicas mais prestigiadas do calendário? Como Skjelmose transformou uma perseguição aparentemente desesperadora em um triunfo histórico? E o que esta vitória representa para o futuro do jovem dinamarquês? Vamos desvendar todos os detalhes desta corrida extraordinária que entrou para a história do ciclismo.
O Cenário da Batalha
A 59ª edição da Amstel Gold Race, primeira das chamadas Clássicas das Ardenas, apresentou aos ciclistas um percurso brutal de 255,9 quilômetros pelas colinas de Limburgo, no sul da Holanda. Com 34 subidas catalogadas e um terreno constantemente ondulado, a prova é conhecida por seu desgaste acumulativo e pela exigência técnica nas estradas estreitas e sinuosas.
O grande atrativo desta edição era o aguardado primeiro confronto de 2025 entre Tadej Pogačar e Remco Evenepoel. O esloveno da UAE Team Emirates-XRG vinha dominando a temporada de clássicas, com uma impressionante vitória solo no Tour de Flanders, enquanto o belga da Soudal-QuickStep fazia apenas sua segunda corrida do ano após retornar de lesão.
Completando o trio de favoritos estava Tom Pidcock, da Q36.5, especialista neste tipo de terreno. Mas poucos olhavam para Mattias Skjelmose como um potencial vencedor. O dinamarquês da Lidl-Trek, apesar de seu talento reconhecido, ainda buscava uma grande vitória que o catapultasse ao estrelato do ciclismo mundial.
A tensão era palpável em Maastricht, cidade de partida, com os fãs ansiosos para ver se Pogačar continuaria sua série dominante ou se Evenepoel conseguiria interromper a hegemonia do esloveno em seu retorno às competições. Ninguém imaginava que um terceiro nome surgiria para roubar a cena.
Como a Corrida se Desenvolveu
Como é tradicional nas grandes clássicas, a ação começou cedo com a formação da fuga do dia. Oito corredores conseguiram se destacar nos primeiros 40 quilômetros: Michel Hessmann (Movistar), Rémi Cavagna (Groupama-FDJ), Robert Stannard (Bahrain-Victorious), Emiel Verstrynge (Alpecin-Deceuninck), Cedric Beullens, Jarrad Drizners (Lotto), Hartthijs de Vries e Jelle Johannink (Unibet Tietema Rockets).
O grupo rapidamente construiu uma vantagem de quatro minutos, mas as equipes dos favoritos – UAE Team Emirates-XRG, Soudal-QuickStep e Q36.5 – assumiram o controle do pelotão, alternando-se na frente para manter a diferença sob controle enquanto as colinas começavam a surgir em sequência.
A tensão aumentou quando, a cerca de 100 quilômetros da chegada, uma queda envolveu alguns dos favoritos, incluindo Evenepoel, Wout van Aert (Visma-Lease a Bike) e Thibau Nys (Lidl-Trek). Felizmente, todos conseguiram retornar rapidamente ao pelotão sem consequências graves.
A fuga começou a se desintegrar na primeira passagem pela famosa subida do Cauberg, com apenas quatro escapados resistindo: Hessmann, Cavagna, Beullens e Johannink. Eles mantinham uma vantagem de apenas 15 segundos na primeira passagem pela linha de chegada, até serem capturados um a um, com Hessmann sendo o último a ser alcançado a 69 quilômetros do final.
Apesar de perder Tim Wellens e Jhonatan Narváez por abandono e queda, respectivamente, a UAE Team Emirates-XRG mantinha o controle firme para Pogačar, marcando cada movimento e posicionando Pavel Sivakov na frente do pelotão, com três outros companheiros protegendo o campeão mundial.
A EF Education-EasyPost assumiu brevemente a liderança quando o pelotão atingiu a subida de Loorberg, com Ben Healy parecendo pronto para um ataque. No entanto, com Pogačar à espreita, o irlandês conteve seus ímpetos.
Foi quando Brandon McNulty, último homem de Pogačar, saiu da frente na subida de Gulperberg que a corrida explodiu em ação após quatro horas e meia de ritmo intenso, mas controlado.
O Ataque de Pogačar - A Marca do Campeão
Surpreendentemente, não foi o atual campeão mundial quem iniciou a ação decisiva, mas sim Julian Alaphilippe (Tudor), duas vezes campeão mundial, com um ataque explosivo a 47,5 quilômetros da chegada na subida de Gulperberg. Pogačar respondeu imediatamente, seguindo a roda do francês, embora não com a facilidade habitual que costuma demonstrar.
A dupla abriu rapidamente uma vantagem de 13 segundos sobre o grupo de favoritos. Foi na subida seguinte, o Kruisberg, que Pogačar mostrou por que é considerado o melhor ciclista da atualidade. Com uma demonstração impressionante de potência, ainda sentado na bicicleta, o esloveno acelerou e deixou Alaphilippe para trás, lançando-se em um ataque solo a mais de 40 quilômetros da chegada.
"Tem sido uma longa temporada para mim até agora. Vamos ver hoje se as pernas ainda estão boas", havia comentado Pogačar antes da largada. A resposta parecia ser um sonoro "sim", enquanto ele pedalava sozinho à frente, aumentando gradualmente sua vantagem.
Na subida de Eyserbosweg, a única do percurso, a diferença para os perseguidores já havia crescido para 30 segundos. No entanto, algo incomum estava acontecendo. Diferentemente de seus ataques habituais, onde costuma desaparecer rapidamente no horizonte, desta vez a vantagem de Pogačar estabilizou-se em torno de meio minuto.
"O campeão mundial mostrou sinais de que é, de fato, humano", observou um dos comentaristas, notando que Pogačar não estava conseguindo ampliar sua vantagem como costuma fazer quando ataca sozinho. A equipe Soudal-QuickStep, através de Ilan Van Wilder, trabalhava arduamente para manter a diferença abaixo da marca crítica de 30 segundos, preparando o terreno para um possível contra-ataque de Evenepoel.
Mesmo assim, Pogačar mantinha seu ritmo implacável, enfrentando sozinho o vento e as subidas, enquanto atrás dele o grupo de perseguidores lutava para organizar uma caça eficiente. A imagem do campeão mundial pedalando solo, com o maillot arco-íris destacando-se na paisagem holandesa, parecia prenunciar mais uma vitória dominante para sua já impressionante coleção.
A Perseguição Heroica
Enquanto Pogačar seguia sozinho na liderança, a perseguição atrás dele estava longe de ser coordenada. O grupo de favoritos, composto por 13 corredores, não conseguia estabelecer uma colaboração eficiente, com muitos preservando energias para um eventual pódio.
Foi neste momento que Mattias Skjelmose decidiu tomar a iniciativa. O dinamarquês da Lidl-Trek atacou do grupo de perseguidores, lançando-se sozinho em busca de Pogačar. Uma decisão corajosa que parecia, no máximo, uma tentativa de garantir o segundo lugar, já que alcançar o esloveno em pleno voo era considerado praticamente impossível.
Skjelmose estabeleceu-se a cerca de 25 segundos atrás de Pogačar, enquanto o grupo principal ficava ainda mais distante. Foi então que Remco Evenepoel, percebendo o perigo de perder contato com os dois da frente, decidiu agir. O campeão olímpico lançou vários ataques, tentando se livrar do grupo desorganizado.
Finalmente, a 26 quilômetros da chegada, Evenepoel conseguiu se libertar e iniciou uma perseguição solitária. Com sua posição aerodinâmica característica e potência impressionante, o belga rapidamente começou a reduzir a distância para Skjelmose.
Pouco antes da segunda ascensão do Cauberg, Evenepoel alcançou o dinamarquês, formando uma dupla de perseguição que agora estava a apenas 21 segundos de Pogačar. A corrida entrava em sua fase mais dramática.
"Eu estava dizendo ao Remco o tempo todo que eu estava acabado e 'Por favor, puxe nas subidas, estou no limite'", revelaria Skjelmose após a corrida, admitindo sua estratégia de preservação. Evenepoel, recém-retornado de lesão mas já demonstrando excelente forma, assumiu a maior parte do trabalho na perseguição.
A cada quilômetro, a dupla reduzia a vantagem de Pogačar. O que parecia impossível começava a se tornar realidade: o campeão mundial estava sendo caçado. A 8 quilômetros da chegada, aconteceu o impensável – Evenepoel e Skjelmose finalmente alcançaram Pogačar, formando um trio na liderança da corrida.
Três dos mais talentosos ciclistas da nova geração, representando três equipes diferentes, três nacionalidades distintas, unidos na liderança de uma das clássicas mais prestigiadas do calendário. O palco estava montado para um final épico em Berg en Terblijt.
O Sprint Inesquecível
Evenepoel, Pogačar e Skjelmose chegaram juntos aos metros finais, com o belga assumindo a liderança para lançar o sprint. O vento soprava da esquerda, criando uma situação tática complexa. Evenepoel acelerou primeiro, com Pogačar colado em sua roda, pronto para o bote.
Como esperado, o campeão mundial emergiu da esteira de Evenepoel com uma aceleração impressionante. O belga, forçado a sentar-se no selim, parecia conformado com o terceiro lugar. Todos os olhos voltaram-se para Pogačar, que parecia a caminho de mais uma vitória para sua coleção.
Foi então que aconteceu o inesperado. Pela esquerda, surgindo quase que da invisibilidade, Mattias Skjelmose lançou seu sprint final. "Remco foi pela direita e, droga, Tadej também foi pela direita, então fui pela esquerda", explicaria depois o dinamarquês, descrevendo o momento decisivo.
Com uma explosão de potência que surpreendeu a todos, inclusive a si mesmo, Skjelmose ultrapassou Pogačar nos últimos metros, cruzando a linha de chegada com uma vantagem mínima, "pela largura de um aro de roda", como descreveria mais tarde a organização. Foi necessária a foto-finish para confirmar o vencedor.
"Eu não acreditei, eu realmente não acreditei", confessou Skjelmose sobre o momento em que percebeu que havia derrotado Pogačar e Evenepoel. A expressão de choque em seu rosto ao cruzar a linha dizia tudo – nem mesmo ele esperava tal desfecho.
A Reação do Vencedor
Assim que a vitória foi confirmada, a emoção tomou conta de Mattias Skjelmose. O jovem dinamarquês desabou em lágrimas, sendo imediatamente cercado pelos companheiros da Lidl-Trek que celebravam o feito extraordinário.
"Eu estava correndo pelo pódio", repetiu várias vezes durante a entrevista pós-corrida, ainda visivelmente em estado de choque. "Já isso seria um resultado muito bom para mim. Tentei manter o grupo andando para que eles não voltassem por trás. Claro, eu sprintei pelo melhor resultado, mas pensei que ia ter cãibras e vê-los desaparecerem no horizonte."
A sinceridade de suas declarações apenas aumentava a dimensão da façanha. Skjelmose não havia planejado vencer; ele simplesmente aproveitou a oportunidade quando ela surgiu, demonstrando o oportunismo que caracteriza os grandes campeões.
Mas o momento mais tocante veio quando o dinamarquês dedicou a vitória ao seu avô falecido: "Significa muito para mim, tive tanta má sorte já nesta temporada, perdi meu avô há pouco mais de um mês, e eu realmente queria dar a ele uma vitória, então isso é para ele."
A dimensão humana por trás da conquista esportiva tocou a todos os presentes. Não era apenas um ciclista celebrando a maior vitória de sua carreira, mas um neto prestando uma homenagem emocionada ao avô que não pôde testemunhar seu momento de glória.
Para a equipe Lidl-Trek, a vitória representava um momento de redenção após um início de temporada difícil. Para o ciclismo dinamarquês, era mais um sinal do crescimento do país como potência no esporte, seguindo os passos de Jonas Vingegaard, bicampeão do Tour de France.
Análise Técnica e Contexto Histórico
A vitória de Skjelmose na Amstel Gold Race 2025 entra para a história como uma das mais surpreendentes dos últimos anos. Derrotar Pogačar em plena forma e Evenepoel em seu retorno triunfal não é feito para qualquer um, especialmente em uma corrida tão exigente tecnicamente.
A estratégia do dinamarquês, embora não premeditada como ele mesmo admitiu, acabou sendo perfeita: poupar energia durante a perseguição, deixando Evenepoel fazer a maior parte do trabalho, e então surpreender no sprint final quando todos esperavam um duelo entre o belga e Pogačar.
Esta vitória coloca Skjelmose em um novo patamar no ciclismo mundial. Aos 24 anos, ele provou que pode competir de igual para igual com os maiores nomes da atualidade, abrindo perspectivas promissoras para o restante da temporada, especialmente nas próximas Clássicas das Ardenas – Flèche Wallonne e Liège-Bastogne-Liège – que têm perfis que também se adequam às suas características.
Para Pogačar, a derrota representa um raro momento de vulnerabilidade em uma temporada até então dominante. O esloveno, que vinha acumulando vitórias impressionantes, mostrou que também pode ser batido, o que adiciona um elemento de imprevisibilidade bem-vindo ao restante da temporada.
Já Evenepoel pode sair satisfeito com seu desempenho, considerando que esta foi apenas sua segunda corrida do ano após retornar de lesão. O belga demonstrou que está em excelente forma e será um protagonista nas próximas competições.
Historicamente, a Amstel Gold Race tem produzido vencedores surpreendentes, mas poucos tão inesperados quanto Skjelmose em 2025. A corrida holandesa, conhecida por seu percurso técnico e imprevisível, mais uma vez entregou um espetáculo digno de sua reputação.
Resultados Completos e Próximas Corridas
A classificação final da Amstel Gold Race 2025 ficou assim:
- 1. Mattias Skjelmose (Din) Lidl-Trek, em 5:49:58
- 2. Tadej Pogačar (Esl) UAE Team Emirates-XRG, mesmo tempo
- 3. Remco Evenepoel (Bel) Soudal Quick-Step, mesmo tempo
- 4. Wout van Aert (Bel) Visma-Lease a Bike, a 34s
- 5. Michael Matthews (Aus) Jayco AlUla, mesmo tempo
- 6. Louis Barré (Fra) Intermarché-Wanty, mesmo tempo
- 7. Romain Grégoire (Fra) Groupama-FDJ, mesmo tempo
- 8. Tiesj Benoot (Bel) Visma-Lease a Bike, mesmo tempo
- 9. Tom Pidcock (GBr) Q36.5 Pro Cycling, mesmo tempo
- 10. Ben Healy (Irl) EF Education-EasyPost, mesmo tempo
Destaque para o quarto lugar de Wout van Aert, que liderou o sprint do grupo perseguidor, mostrando boa forma após sua participação no Paris-Roubaix. Tom Pidcock, um dos favoritos pré-corrida, teve que se contentar com o nono lugar, enquanto Ben Healy completou o top 10.
O calendário das Clássicas das Ardenas continua na próxima quarta-feira com a Flèche Wallonne, famosa por sua chegada no topo do Muro de Huy, uma subida curta mas extremamente íngreme. No domingo seguinte, o ciclo se encerra com Liège-Bastogne-Liège, a mais antiga das grandes clássicas, conhecida como "La Doyenne".
Pogačar já confirmou sua participação em ambas as corridas, buscando redenção após a derrota inesperada na Amstel. Evenepoel, especialista nestas provas, também estará presente, enquanto Skjelmose terá a oportunidade de provar que sua vitória não foi um acaso e que pode se estabelecer definitivamente entre a elite do ciclismo mundial.
Conclusão
A Amstel Gold Race 2025 ficará marcada como o dia em que Mattias Skjelmose surpreendeu o mundo do ciclismo. Uma corrida que começou com todas as atenções voltadas para o duelo entre Pogačar e Evenepoel terminou com um terceiro nome no lugar mais alto do pódio, reescrevendo o roteiro esperado.
A dedicatória emocionada ao avô falecido adicionou uma camada de profundidade humana a esta conquista esportiva, lembrando a todos que por trás dos atletas de elite existem pessoas com suas próprias histórias, motivações e emoções.
A vitória de Skjelmose também serve como um poderoso lembrete da beleza imprevisível do ciclismo. Em um esporte onde a hierarquia parece cada vez mais estabelecida, com superestrelas dominando as principais competições, ainda há espaço para surpresas, para momentos em que um azarão pode superar os gigantes.
Como o próprio Skjelmose resumiu, ainda em estado de choque: "Eu não acreditei, eu realmente não acreditei." Talvez essa seja a melhor descrição para um dos dias mais surpreendentes do ciclismo recente – um dia em que o impossível se tornou realidade nas colinas de Limburgo.