No domingo, durante o Paris-Roubaix, Mathieu Van der Poel foi alvo de um lançamento de uma garrafa por parte de um espectador.
O ciclista holandês tem frequentemente sido visado por esse tipo de atitude nos Flanders, o que poderia sugerir que os atos vieram de torcedores de seu eterno rival, Wout Van Aert. Contudo, essa hipótese precisa ser analisada com mais cautela.
Pintas de cerveja no rosto, baldes de urina, água, salgadinhos, diversas cuspidas, bonés… Desde que começou a pedalar, Mathieu Van der Poel se tornou o alvo predileto de espectadores – muitas vezes de inspiração duvidosa.
No domingo, antes de conquistar sua terceira vitória triunfal no Paris-Roubaix, ele novamente foi vítima dos efeitos da estupidez alheia e, possivelmente, da falta de controle de alguns espectadores quando o álcool entra em alta.
O ciclista holandês, que integra a equipe belga Alpecin-Deceuninck, recebeu na cabeça uma garrafa – que, segundo ele, estava cheio – lançado à queima-roupa durante sua investida final solo. O incidente ocorreu a 33 quilômetros da chegada, no setor pavimentado de Templeuve-en-Pévèle.
Mesmo sem conseguir desviar do projétil, o ciclista, que ainda mantinha a lucidez típica de um bom piloto neste estágio da corrida, conseguiu permanecer equilibrado em sua bicicleta.
Isto é uma tentativa deliberada de homicídio
Ao cruzar a linha de chegada, o tricampeão não encontrou palavras suficientemente fortes para expressar sua fúria. Em suas declarações, ele afirmou:
"Isto é uma tentativa deliberada de homicídio. A garrafa era pesado – se tivesse me acertado diretamente no rosto, certamente teria me causado uma fratura. Não podemos deixar isso passar. Espero que consigam identificar (o culpado) para que possamos tomar as medidas legais contra a equipe."
Pouco antes, enquanto acompanhava a reta final da corrida na tela gigante do Velódromo de Roubaix, sua mãe, Corinne, inicialmente desconhecia que seu filho havia sido alvo da agressão – chegando, inclusive, a imaginar que o gesto teria sido o responsável pela queda de Tadej Pogacar.
Ela chegou a afirmar que "Mathieu se arrependeria amargamente de vencer dessa forma". Assim que soube que de fato ele fora visado pela garrafa, passou a apoiar as críticas do filho e passou a exigir "sanções exemplares para pôr fim, de forma definitiva, a esse tipo de comportamento".
Na manhã de segunda-feira, um homem de 28 anos se apresentou à polícia de Mira (abrangendo as regiões de Anzegem, Avelgem, Spiere-Helkijn, Waregem e Zwevegem), conforme confirmou o porta-voz do Ministério Público da Flandres Ocidental ao jornal neerlandês Het Nieuwsblad.
Segundo as investigações, o indivíduo – cuja identidade não foi divulgada – foi interrogado pelas autoridades e expressou arrependimento. Ele teria participado do Paris-Roubaix a bordo do ônibus dos “Matej Matjes” (“os amigos do Matej”), clube de torcedores de língua neerlandesa do esloveno Matej Mohoric.
Lançamentos de cerveja, bonés e cuspidas: Van der Poel frequentemente visado
O fã-clube, que acompanha o vencedor do Milan-San Remo 2022, condenou enérgicamente o gesto e enfatizou que o homem não fazia parte da associação, tendo apenas aproveitado a viagem de ônibus.
Na segunda-feira, no fim da tarde, a equipe Alpecin-Deceuninck anunciou que vai registrar queixa contra o autor do ato.
A diretoria também apela "ao diálogo e à cooperação entre ciclistas, equipes, federações, organizadores e autoridades governamentais para implementar medidas que previnam essas violências, que colocam a segurança em risco e comprometem a reputação dos verdadeiros apaixonados pelo ciclismo".
Esses comportamentos contra Mathieu Van der Poel se multiplicaram nos últimos tempos. No último Tour de Flanders, no dia 6 de abril, ele foi alvejado por lançamentos de cerveja. Durante o Grand Prix E3 Harelbeke, em 11 de abril, um homem cuspira nele. No ano passado, durante o Paris-Roubaix, uma mulher já havia lançado um boné na direção de sua corrente enquanto ele passava pelo setor de Hem.
Mas afinal, quem tem algo contra Mathieu Van der Poel? É frequentemente sugerido que o campeão holandês seja alvo de torcedores frustrados com Wout Van Aert – eterno rival desde a adolescência, especialmente nos circuitos de ciclocross onde ambos se alternaram na conquista dos louros.
São, geralmente, essas competições, realizadas nas Flandres ou em Hulst, nos Países Baixos, que servem de palco para os episódios de hostilidade protagonizados por espectadores, muitas vezes de origem belga.
Sentimento de inferioridade e frustração exacerbada
De forma irônica, os dois atletas residem a apenas trinta quilômetros um do outro na Bélgica, na província de Antuérpia. O belga carrega um sobrenome de origem holandesa, enquanto o holandês, que absorveu uma cultura francesa por parte de sua mãe e holandesa por parte do pai, cresceu na Bélgica.
Inclusive, os falantes de neerlandês destacam seu marcado sotaque belga. Mathieu Van der Poel comenta com frequência, de maneira bem-humorada, sobre sua própria nacionalidade, embora sempre tenha envergado a camisa laranja das seleções nacionais.
Segundo Éric Clovio, jornalista especialista em ciclismo do jornal bruxelois Le Soir, é necessário adotar uma leitura mais nuançada desses episódios: "Há dois anos e meio, esses gestos sempre ocorrem ou nas Flandres, ou em suas proximidades (como em Hulst, durante uma etapa da Copa do Mundo de ciclocross), e são cometidos por um flamengo." Ele ainda questiona se tais atitudes poderiam ser classificadas como anti-holandesas: "Talvez um pouco, pois existe um sentimento de inferioridade dos flamengos em relação aos holandeses, muitas vezes vistos como arrogantes."
Ademais, algumas atitudes de Mathieu Van der Poel podem ser interpretadas nesse sentido: "Uma certa reserva na demonstração de suas emoções, ou o fato de ele exibir relógios de 300 mil euros e Lamborghinis nas largadas de algumas corridas de ciclocross – isso não é arrogância, mas cria uma distância, uma aura de superioridade que certos flamengos não aprovam", pontua Clovio.
Contudo, ele ressalta que nem todos os críticos são torcedores de Wout Van Aert: "A rivalidade tem sido desfavorável a Wout Van Aert há dois anos e, provavelmente, intensifica uma frustração geral. Reduzir esses gestos meramente à rivalidade entre Wout Van Aert e Mathieu Van der Poel seria simplista. Acredito que, sobretudo, o álcool exerce um papel fundamental nesses episódios."