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UCI Declara que Cetonas são Inúteis e Provoca Revolta no Pelotão Profissional

A UCI declarou que cetonas são inúteis para performance, mas não as proibiu. Entenda a polêmica que divide equipes, fabricantes e atletas no pelotão profissional.

UCI Declara que Cetonas são Inúteis

O mundo do ciclismo profissional acaba de testemunhar mais um capítulo polêmico na saga das cetonas. A União Ciclista Internacional (UCI) finalmente rompeu o silêncio e emitiu um posicionamento oficial sobre o uso de suplementos de cetonas no pelotão – mas a declaração está longe de encerrar o debate que divide equipes, atletas e fabricantes há mais de cinco anos.

A Bomba da UCI: “Não Vemos Razão Para Seu Uso”

Em um comunicado que pegou muita gente de surpresa, a UCI declarou que “não há evidências convincentes de que os suplementos de cetonas melhorem o desempenho ou a recuperação”. A entidade máxima do ciclismo foi clara e direta: não recomenda a inclusão desses suplementos nos planos nutricionais dos ciclistas.

Mas aqui está o ponto crucial – e que está gerando toda a confusão: a UCI não está proibindo as cetonas. Elas continuam perfeitamente legais e permitidas. O órgão apenas está dizendo que, na opinião deles, o produto não funciona. É como se sua mãe te dissesse que comer brócolis não faz diferença nenhuma, mas você ainda pode comer se quiser.

Mas O Que Diabos São Essas Cetonas Afinal?

UCI Declara que Cetonas são Inúteis
UCI Declara que Cetonas são Inúteis

Vamos ao básico para quem está chegando agora nessa polêmica. Cetonas são compostos químicos que nosso próprio corpo produz naturalmente quando está queimando gordura ao invés de glicose para gerar energia. É o que acontece durante jejum prolongado ou dietas muito baixas em carboidratos.

Os suplementos de cetonas exógenas permitem que você ingira essas substâncias diretamente, sem precisar estar em estado de cetose. A ideia original era simples e atraente: fornecer uma fonte alternativa de energia de alto rendimento para os músculos, economizando os preciosos estoques de glicogênio muscular para os momentos mais críticos da corrida.

Se você já viu aqueles corredores bebendo pequenas garrafas misteriosas logo após cruzarem a linha de chegada de uma etapa do Tour de France, provavelmente eram cetonas. O produto se popularizou especialmente entre equipes WorldTour de ponta, que não medem esforços na busca por qualquer vantagem marginal que possa fazer diferença.

A História das Cetonas no Pelotão: Do Segredo ao Patrocínio

Tudo começou em 2016, quando um estudo científico sugeriu que cetonas consumidas antes ou durante o exercício poderiam melhorar significativamente o desempenho em ciclismo. Foi o suficiente para que equipes começassem a experimentar discretamente o produto. Naquela época, as cetonas eram o segredo mais mal guardado do pelotão – todo mundo sabia que algumas equipes usavam, mas ninguém falava abertamente sobre isso.

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O cenário mudou drasticamente após a pandemia. Marcas como Ketone-IQ, KetoneAid e Delta G entraram em cena com força total, estabelecendo parcerias de alto perfil com gigantes como Visma-Lease a Bike, SD Worx-Protime e Soudal Quick-Step. De repente, as cetonas deixaram de ser um sussurro nos bastidores para se tornarem patrocinadores oficiais estampados em uniformes e materiais de divulgação.

A transformação foi surpreendente. Em poucos anos, passamos de ciclistas bebendo discretamente garrafinhas não identificadas para Remco Evenepoel declarando publicamente que usa cetonas entre provas olímpicas porque sente que ajudam sua recuperação. O mercado de cetonas virou um negócio milionário montado nas costas do ciclismo profissional.

A Ciência Por Trás da Controvérsia

Aqui é onde as coisas ficam interessantes – e complicadas. O estudo inicial de 2016 que gerou todo o hype foi, segundo a própria UCI, mal interpretado. A pesquisa mostrou melhorias de desempenho, mas em condições de overtraining que não correspondem à realidade de uma corrida ou mesmo de um treino normal.

Estudos subsequentes não conseguiram confirmar os resultados promissores. Pelo contrário, hoje existe um consenso científico de que suplementos de cetonas não têm efeito sobre o desempenho durante exercícios de resistência. Zero. Nada. Zilch.

Mas espera – a história não acaba aí. Quando ficou claro que cetonas não melhoravam desempenho durante a prova, o foco mudou para recuperação pós-exercício. Novas pesquisas sugeriram benefícios potenciais na velocidade de ressíntese de glicogênio muscular e até na produção de EPO endógeno (o hormônio que aumenta glóbulos vermelhos, sim, aquele mesmo do doping).

Adivinhem? Estudos mais recentes e de maior qualidade contradisseram também esses achados. De acordo com a UCI, “os resultados de um estudo muito abrangente e de alta qualidade mostram que tomar cetonas após competição ou sessões de treino de alta intensidade não tem efeito sobre a qualidade da recuperação”.

A Fúria dos Fabricantes: “Discordamos Respeitosamente”

Você pode imaginar que empresas que investiram milhões em parcerias com equipes WorldTour não ficaram exatamente felizes com o pronunciamento da UCI. E elas não se calaram.

Frank Llosa, CEO da KetoneAid (patrocinadora de Soudal Quick-Step e Astana-Qazaqstan), chamou a intervenção da UCI de “desconcertante”. Em declaração ao site road.cc, ele foi direto ao ponto: “Se cetonas são seguras, por que não deixar os corredores fazerem suas próprias escolhas? Quando Remco Evenepoel quer usá-las entre eventos olímpicos porque sente que ajudam sua recuperação, por que a UCI deveria se importar?”

Michael Brandt, CEO da Ketone-IQ (parceira da Visma-Lease a Bike), foi igualmente enfático: “Discordamos respeitosamente do julgamento da UCI de que os suplementos não melhoram desempenho ou recuperação. Temos dados robustos de nossa parceria com a Visma-Lease a Bike mostrando que Ketone-IQ ajuda com diversos biomarcadores relevantes, similar aos benefícios de treinamento em altitude”.

Llosa ainda destacou um ponto crucial que muitos consideram a boa notícia em meio à confusão: “A preocupação original da UCI era sobre segurança, e este comunicado não menciona isso de forma alguma. Então suponho que podemos assumir que a questão da segurança foi resolvida. Os melhores nutricionistas esportivos entendem cetonas – deixem-nos fazer seu trabalho”.

O MPCC e a Zona Cinzenta do Antidoping

Quem vem pedindo um posicionamento claro da UCI há anos é o MPCC (Movimento para um Ciclismo Credível) – uma organização voluntária que reúne equipes comprometidas com padrões mais rigorosos de antidoping do que os exigidos oficialmente.

O MPCC recomenda há tempos que seus membros não usem cetonas, não porque sejam doping, mas justamente pela zona cinzenta que ocupam. Oito equipes WorldTour e quatro equipes femininas da Women’s WorldTour fazem parte do MPCC, incluindo nomes como Red Bull-Bora-Hansgrohe.

Tim Podlogar, especialista em nutrição que trabalhou com a Red Bull-Bora, foi franco: “Sou muito cético quanto às cetonas. Não as usamos porque não vejo evidência científica suficiente indicando que realmente funcionam”.

O MPCC queria que a UCI tomasse uma posição definitiva: ou declara que cetonas são aceitáveis e comunica isso de forma clara e precisa, ou declara que não recomenda seu uso, ou até mesmo as proíbe. O que o MPCC não queria era justamente o que aconteceu – uma posição meio-termo e vaga que não muda nada materialmente, mas escurece ainda mais a percepção sobre o produto.

Por Que Esta Declaração da UCI É Tão Problemática?

Muitos especialistas e jornalistas especializados apontam que o comunicado da UCI pode ter feito mais mal do que bem. A situação é inusitada: a UCI normalmente não se pronuncia sobre a eficácia de produtos legais. Eles nunca disseram se multivitamínicos valem a pena ou se tiras nasais realmente melhoram a respiração. Por que, então, fazer isso com cetonas?

A resposta parece estar no fato de que cetonas entraram na conversa sobre antidoping, não apenas como suplemento nutricional. Mas ao recomendar contra seu uso baseando-se apenas em eficácia (ou falta dela), e não em questões de doping ou saúde, a UCI criou um precedente estranho e possivelmente contraproducente.

O resultado prático? Equipes que não fazem parte do MPCC provavelmente continuarão tomando suas próprias decisões sobre o produto, exatamente como fazem com qualquer outro aspecto da nutrição. Mas agora, essas equipes estarão sujeitas a críticas e ceticismo aumentados – serão vistas como fazendo algo que o órgão regulador considera ruim, mesmo que seja perfeitamente legal.

Isso reforça a narrativa de que o ciclismo está sempre empurrando os limites do doping, muitas vezes ultrapassando-os. Transforma algo atualmente legal em comportamento questionável aos olhos do público.

A Questão do Efeito Placebo Multimilionário

Mathieu Heijboer, chefe de performance da Visma-Lease a Bike, oferece uma perspectiva fascinante sobre toda essa história. Em entrevista ao site VeloNews, ele admitiu algo surpreendente: “As pessoas parecem pensar que são algum suplemento milagroso que muda completamente o desempenho. Não nos importamos se algumas coisas no protocolo de recuperação ‘funcionam’ ou não, desde que os corredores sintam que é um benefício”.

Leia isso de novo. Uma das equipes mais bem-sucedidas e tecnicamente avançadas do pelotão está basicamente dizendo que o efeito placebo pode ser tão valioso quanto qualquer benefício fisiológico real. Se Jonas Vingegaard acredita que cetonas ajudam sua recuperação e isso faz com que ele se sinta mais confiante e descansado, isso tem valor – independentemente do que a ciência diga.

É uma admissão fascinante sobre a natureza da performance de elite. No nível mais alto do esporte, onde as diferenças entre vencer e perder são medidas em segundos ou centésimos de segundo, a confiança psicológica e a crença em seus métodos podem ser tão importantes quanto os próprios métodos.

O Futuro das Cetonas no Pelotão

Então, para onde vamos a partir daqui? A declaração da UCI provavelmente não mudará muito no curto prazo. Equipes com patrocínios de cetonas continuarão usando o produto – afinal, têm contratos a honrar e atletas que acreditam nos benefícios. Equipes do MPCC continuarão evitando cetonas, assim como já faziam.

O que pode mudar é a percepção pública. Quando você vir um corredor bebendo aquela garrafa misteriosa após uma etapa de montanha massacrante nos Alpes, agora você sabe que ele está consumindo algo que a própria UCI diz não ter razão para ser usado. Isso levanta questões incômodas, mesmo que o produto seja perfeitamente legal.

A Ketone-IQ anunciou que compartilhará resultados de seu estudo em parceria com a Visma-Lease a Bike nos próximos meses. Será interessante ver se esses dados conseguem mudar a narrativa ou se apenas alimentarão ainda mais o debate.

Uma coisa é certa: a era das cetonas como o “segredo” do pelotão acabou definitivamente. Agora elas são o assunto mais abertamente discutido e debatido da nutrição esportiva no ciclismo – mesmo que ninguém consiga concordar se fazem alguma coisa ou não.

A Lição Maior Sobre Nutrição Esportiva de Elite

No final das contas, a saga das cetonas nos ensina algo importante sobre o mundo da performance de elite. A linha entre ciência rigorosa e marketing agressivo é muitas vezes mais fina do que gostaríamos de admitir. Produtos com pouca ou nenhuma evidência científica conseguem se estabelecer no mercado através de parcerias estratégicas e depoimentos de atletas de elite.

Isso não significa necessariamente que as empresas de cetonas estejam sendo desonestas. Elas genuinamente podem acreditar em seus produtos e ter dados que, na visão delas, apoiam suas alegações. Mas também nos lembra que no mundo do esporte de elite, a distância entre “funciona” e “acreditamos que funciona” pode ser significativa.

Para você, ciclista amador lendo isso e se perguntando se deveria gastar suas economias em cetonas: provavelmente não. Seu dinheiro seria melhor investido em nutrição básica de qualidade, um bom plano de treinamento e, quem sabe, uma bike que se encaixe melhor no seu corpo. Deixe a zona cinzenta das cetonas para quem compete pelo pódio em Paris-Roubaix.

E se você é um daqueles atletas de elite? Bem, aparentemente a decisão agora é sua – mas saiba que o órgão regulador do seu esporte acha que você está perdendo tempo e dinheiro. É uma posição desconfortável para todos os envolvidos, e exatamente o tipo de ambiguidade que o ciclismo não precisava de mais.

Conclusão: Muito Barulho Por Nada (Ou Quase)

Depois de anos de estudos, debates acalorados, milhões investidos em parcerias e patrocínios, a UCI finalmente falou sobre cetonas. E sua mensagem foi essencialmente: “Fazem o que vocês quiserem, mas achamos que é perda de tempo”. Não é a clareza que o esporte precisava, mas é o que temos.

As cetonas permanecem legais, controversas e caras. Algumas das melhores equipes do mundo juram por elas. A ciência mais recente sugere que são inúteis. E no meio disso tudo, o pelotão continua pedalando – alguns com suas garrafinhas de cetonas, outros sem – todos na busca interminável por aquela vantagem marginal que pode significar a diferença entre subir ao pódio ou assistir de baixo.

Bem-vindo ao mundo maravilhosamente complicado da nutrição esportiva de elite. Onde a ciência encontra o marketing, a regulamentação encontra a inovação, e ninguém realmente sabe ao certo o que funciona – mas todos têm uma opinião forte sobre o assunto.

Last modified: 28 de outubro de 2025

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